UM ALERTA SOBRE OS PREJUÍZOS CAUSADOS PELOS PESTICIDAS NA APICULTURA E MELIPONICULTURA NO BRASIL

UM ALERTA SOBRE OS PREJUÍZOS CAUSADOS PELOS PESTICIDAS NA APICULTURA E MELIPONICULTURA NO BRASIL

Lionel Segui Gonçalves. Professor Titular aposentado da USP, atual Professor Visitante Nacional Sênior da CAPES-MEC junto à UFERSA, Mossoró-RN.

Artigo publicado na Revista Mensagem Doce da Apacame No 123: http://www.apacame.org.br/mensagemdoce/123/artigo.htm

As abelhas estão desaparecendo, correm alto risco de vida e precisam ser protegidas urgentemente. O desaparecimento das abelhas é hoje o principal problema apícola mundial, sendo inclusive tema de capa da revista “Time”, de agosto de 2013. As abelhas são responsáveis pela polinização de mais de 70% das áreas agrícolas que fornecem alimento ao mundo, além de contribuírem para polinização da flora em geral, aumentando a resiliência das áreas verdes que nos garantem o oxigênio. Albert Einstein, o mais célebre cientista do século 20, Prêmio Nobel de Física de 1921, numa visão catastrófica, previu em seu tempo, que se as abelhas desaparecessem um dia da face da Terra, o homem teria apenas mais poucos anos de vida. Esta profecia tem fundamentos, e a hipótese pode vir a se confirmar, caso a humanidade não tome consciência em tempo e se mobilize em direção contrária, pois as abelhas estão de fato desaparecendo, conforme alertam os apicultores a mídia vem noticiando.

Devido à presença de pragas nas lavouras, os agricultores valem-se de muitos pesticidas que colocam em risco a vida das abelhas. Sabe-se que existem outras categorias de pesticidas menos tóxicos às abelhas que, sendo aplicados no campo contra as pragas, podem trazer bons resultados aos agricultores sem causar danos às abelhas. Com o tempo, porém, muitos desses produtos deixam de produzir o efeito desejado contra as pragas, que acabam por desenvolver resistência. Isso leva as indústrias a desenvolver outros produtos, mais eficientes e mais fortes, porém tóxicos às abelhas.

Com a expansão das atividades agrícolas para atender a crescente demanda pela produção de alimentos no mundo, o uso de pesticidas vem aumentando, e o tempo para a pesquisa e desenvolvimento de novos produtos não prejudiciais às abelhas passa a ser cada vez mais curto. Infelizmente, muitos agricultores preocupam-se em um primeiro momento em resolver o problema pontual do combate às pragas, ignorando o efeito danoso dos pesticidas neonicotinoides para a saúde dos insetos polinizadores (abelhas, vespas, mamangavas etc.) e para o seu próprio negócio. Esquecem-se de que esses mesmos polinizadores trabalham pelo aumento da produtividade de suas culturas.

O Brasil é hoje um dos maiores consumidores mundiais de agrotóxicos, o que garante grandes lucros para as empresas multinacionais que os produzem. Ideal seria que essas mesmas empresas fabricantes de pesticidas neonicotinoides se preocupassem também em desenvolver pesquisas sobre o controle biológico de pragas das plantas ou sobre a produção de pesticidas não tóxicos para as abelhas. Isso traria soluções com benefícios muito positivos, tanto para os agricultores como para os apicultores e meliponicultores, merecendo o reconhecimento de ambientalistas e da sociedade em geral – que já se preocupa com o consumo de produtos senão orgânicos, ao menos resultantes de uma agricultura sustentável. Sabemos que ambas as soluções são possíveis, mas demandam muitas pesquisas e testes que requerem tempo e altos custos até que sejam efetivamente implementadas. Na contramão, sabemos que as empresas priorizam a produção de produtos que rendam lucros cada vez maiores no menor tempo possível, fazendo valer o antigo lema “time is money “. A probabilidade, portanto, de vermos investimentos em soluções ecológicas é muito pequena.

Preocupadas, pois, em garantir a continuidade das vendas de pesticidas sistêmicos, algumas empresas têm lançado campanhas rotuladas como de apoio à saúde dos polinizadores, informando inclusive que os neonicotinoides não são prejudiciais às abelhas, e que somente nos casos de doses excessivas ou doses aplicadas inapropriadamente ocorreriam perdas e, eventualmente, a morte das abelhas. O uso desses produtos por agricultores desavisados justificaria as muitas ocorrências de mortes de abelhas, noticiadas na mídia internacional, e o fenômeno do “Desaparecimento das Abelhas” ou CCD (Colony Collapse Disorder) está cada vez mais vinculado à aplicação desses pesticidas tóxicos às abelhas.

Somos de opinião que apenas decisões drásticas de proibição do uso ou banimento desses produtos sistêmicos, em especial aqueles do grupo dos neonicotinoides, venha a solucionar o problema do desaparecimento e, consequentemente, da morte das abelhas. A cada dia surgem novas pesquisas comprovando seu efeito nocivo para as abelhas (Desneux, Decourtye and Delpuech, 2007; Ratia, 2008; Ritter, 2011; Gonçalves, 2012; Pettis, 2011; Lu et al., 2012).

Está cientificamente comprovado que os pesticidas neonicotinoides agem na fisiologia das abelhas, interferindo na sua memória e comportamento. As pesquisas feitas com abelhas Apis mellifera apontam para a ação desses pesticidas em seu cérebro, fazendo com que as abelhas operárias, após as atividades de forrageamento, não consigam retornar às suas colônias de origem (Desneux, Decourtye and Delpuech, 2007; Silva et al., 2012; Henry et al., 2012; Lu et al., 2012; Whitehorn et al., 2012 ). Por essa razão, o apicultor, ao abrir uma colmeia cujas abelhas tenham tido contato com esses pesticidas altamente tóxicos, encontram as colmeias com poucas abelhas ou vazias, pois as abelhas simplesmente “desaparecem”, sem deixar vestígios. É a síndrome do CCD (Colony Collapse Disorder) ou “Doença do desaparecimento” (Disappearing disease) ou simplesmente “Síndrome do Desaparecimento”, características facilmente identificadas em colmeias fortes e populosas que em poucos dias são encontradas sem abelhas, porém com crias, mel, pólen e até com rainha.

Nos últimos congressos internacionais de apicultura da Apimondia (França, 2009 e Argentina, 2011) observou-se enorme interesse pelo tema e por soluções. Tem sido frequente a apresentação de resultados de pesquisas buscando relacionar o ácaro Varroa destructor, o microsporídeo Nosema ceranae, vários tipos de vírus, o estresse e os pesticidas ao fenômeno do CCD. Dentre as causas possíveis, em especial, os pesticidas neonicotinoides, que são sistêmicos, têm sido cada vez mais apontados como tóxicos para as abelhas e responsáveis pelo seu desaparecimento.

As abelhas acometidas pelo uso de neonicotinoides ficam o sistema de navegação e orientação comprometidos. Desorientadas, elas se perdem ou desaparecem no campo, não retornando às suas colmeias, o que justifica a denominação do fenômeno como “Desaparecimento das Abelhas”. O fenômeno é recorrente e tem sido registrado em diferentes países do mundo, associado a significativas perdas e prejuízos econômicos aos apicultores e agricultores, sendo atualmente o principal problema apícola mundial (Pettis, 2011; Boer, 2013). As primeiras notícias datam de 2006, nos Estados Unidos, quando apicultores americanos relataram perdas de 30 a 90% de suas colmeias. De lá para cá, várias outras ocorrências foram registradas nos Estados Unidos, Europa, Canadá, Japão, Índia, América do Sul etc., inclusive no Brasil. Um dos casos mais recentes de perda significativa de abelhas devido a ação de pesticidas neonicotinoides foi publicado no noticiário canadense “Fractured Paradigm”, em 2/7/2013, no qual foi noticiado que o apicultor David Schuit, de Elmwood, havia perdido 600 colônias de abelhas, logo após uma cultura de milho em um campo próximo ao seu apiário ter sido tratada com um pesticida neonicotinoide.

Uma das maiores contribuições das abelhas para a agricultura é, sem dúvida, o seu papel na polinização das plantas. Para ilustrar a ordem de grandeza da questão, apenas nos Estados Unidos, o valor dos investimentos em cultivos que dependem da polinização pelas abelhas é estimado em mais de 15 bilhões de dólares, e somente na polinização de amendoeiras na Califórnia são utilizadas mais de 1,4 milhões de colmeias de abelhas Apis mellifera. Com o recente problema do desaparecimento das abelhas os Estados Unidos já se ressentem da falta de colônias de abelhas para a polinização, com consequências graves na produção agrícola. Por esse motivo, o Senado americano liberou em 2011 uma soma de US$ 76 milhões de dólares aos cientistas americanos, como contribuição para tentar resolver o problema e, mais recentemente, empresas privadas, como por exemplo a fabricante de sorvetes Häagen-Dazs, passaram também a colaborar com recursos para patrocinam pesquisas em abelhas.

Igualmente preocupada com os problemas decorrentes do declínio dos polinizadores, em especial das abelhas, para a agricultura, a União Europeia liberou em 2012 mais de 3 milhões de Euros para fomentar pesquisas sobre o CCD em 17 países da comunidade europeia. A questão é premente, e suas causas constituem temas para pesquisas, polêmicas e debates científicos. Diferentes hipóteses estão sendo consideradas pelos pesquisadores, mas já existem muitas evidências de que a principal causa do fenômeno do desaparecimento das abelhas estaria relacionada à toxicidade dos pesticidas neonicotinoides. Face a isso, em 29/4/2013, a Comunidade Europeia (CCE), visando proteger os polinizadores para evitar quedas na produção de alimentos, baniu dos países membros, por dois anos, uso dos três pesticidas do grupo dos neonicotinoides, considerados altamente tóxicos para as abelhas: CLOTHIANIDINE (Poncho), IMIDOCLOPRID (Gaucho) e THIOMETHOXAM (Cruisier).

No Brasil, hoje o maior consumidor mundial de agrotóxicos, somente em 2010 foram comercializadas mais de 1 milhão de toneladas de agrotóxicos (5 kg/habitante), incluindo os neonicotinoides. Embora a ocorrência do CCD em abelhas Apis mellifera já tenha sido registrada no país desde 2008 em vários estados brasileiros (SP, SC, RS) e, mais recentemente, terem sido registrados alguns casos de ocorrência de CCD em abelhas sem ferrão (meliponínenos) no estado de São Paulo, o Ministério de Agricultura e Abastecimento (MAPA), o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e o IBAMA continuam sem se posicionar sobre esse assunto. Segundo o Prof. Dr. Osmar Malaspina, da UNESP de Rio Claro, um dos primeiros casos de perda de abelhas no Brasil deu-se em Brotas-SP quando um apicultor perdeu mais de 200 colônias de abelhas africanizadas em uma cultura de laranja, após ter essa sido pulverizada com o pesticida Thiomethoxam. Somente no município de Rio Claro-SP, o Dr. Malaspina relatou a perda de 10 mil colmeias de abelhas africanizadas mortas por inseticidas entre 2008 e 2010 (França, 2012). A CBA-Confederação Brasileira de Apicultura já se manifestou oficialmente junto ao MAPA, MMA e IBAMA contra o uso dos neonicotinoides (parecer da CBA publicado em Mensagem Doce, N. 119, novembro de 2012), porém até o momento essas instituições continuam omissas, ficando os apicultores e meliponicultores brasileiros sem apoio, e as abelhas sem proteção contra a ação tóxica dos pesticidas neonicotinoides amplamente usados no país.

A organização europeia EFSA, que controla a segurança alimentar da Europa, identificou em 4/6/2013 vários pontos fracos no estudo publicado sobre os neonicotinoides pela Agência do Reino Unido de Pesquisas sobre Alimentos e Meio Ambiente (FERA), segundo o qual os pesticidas neonicotinoides não causavam efeito prejudicial nas abelhas mamangavas (bumblebees) em condições no campo. Com base nesses pontos, a EFSA reconsiderou sua posição, não apenas confirmando haver risco para as abelhas no uso dos pesticidas do grupo dos neonicotinoides já citados (Thiamethoxan, Clothianidin e o Imidacloprid), como também manifestando-se contra o uso desse tipo de pesticida na agricultura europeia.

Cumpre ainda destacar que a Comunidade Europeia – que já havia proibido em 29/4/2013 o uso dos três pesticidas neonicotinoides – deu mais uma demonstração de estar atenta ao declínio das abelhas, tendo proibido em meados de julho de 2013, o uso de mais um pesticida altamente tóxico às abelhas, o Fipronil (Regente), do grupo dos fenilpirazois, decisão referendada por 23 países europeus membros da CCE. Assim, a partir dessa proibição, não mais será permitido o tratamento de sementes de milho e de girassol com o pesticida Fipronil. Com essas decisões, reconhece-se a constante preocupação e a elogiável postura das autoridades europeias no sentido de proteger na Europa o futuro dos polinizadores, em especial das abelhas, e a produção futura de frutos e grãos, o que lamentavelmente não vem ocorrendo no Brasil. Em meados de 2013, a Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara dos Deputados aprovou em Brasília um projeto, relatado pelo Deputado Duarte Nogueira de Ribeirão Preto – SP, no sentido de revogar uma portaria do IBAMA que regulamenta o uso dos neonicotinoides no Brasil (Jornal Agrosoft, de 15/7/2013). Embora essa pauta ainda deva ser submetida à apreciação pela Câmara dos Deputados, na verdade, o que deveria ser aprovado é a proibição do uso dos pesticidas neonicotinoides no Brasil, e não a revogação de uma Portaria do IBAMA que apenas normatiza por tempo limitado o seu uso.

O fenômeno do desaparecimento das abelhas representa um alto risco para a apicultura mundial e para o agronegócio internacional, uma vez que toda a produção agrícola mundial relacionada a grãos e frutos depende da polinização realizada, principalmente, pelas abelhas. Assim, com base nos argumentos expostos ao longo deste artigo, finalizo-o, alertando a todos que se não testemunharmos uma decisão firme e corajosa de proibição do uso e banimento definitivo dos pesticidas tóxicos às abelhas de nossas lavouras, sobretudo a proibição dos neonicotinoides e do Fipronil, por parte das autoridades brasileiras (Ministério da Agricultura, Ministério do Meio Ambiente, Ibama, etc.), além de conservarmos a infâmia de sermos um dos maiores consumidores mundiais de agrotóxicos, assistiremos lamentavelmente o contínuo desaparecimento das abelhas no Brasil e suas consequências para o meio ambiente, para a segurança alimentar do homem, para a sustentabilidade da vida.

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